Saturday, May 13, 2006

Carta a uma donzela que não quis ser salva

- A maior dor que existe é não poder consolar a menina de olhos tristes.

« Minha donzela;

Guardo de ti a memória da ilusão, do ter batalhado para a cada segundo a mais que estava contigo e que te via ter sentido cada vez mais perto a felicidade. Foi uma tremenda ilusão, que se desfez ao aperceber-me com o tempo de que aquilo contra o que lutava era o mesmo pelo qual batalhava.
Altiva e distante na torre de pedra negra, numa montanha cerrada imersa pelo nevoeiro, guardada por um dragão. Fiz-me eu cavaleiro, fiz-me eu homem para a ti aceder, mas um homem é o que a derrota o dita e não o que a vitória o trai.
Admito que tentei de todas as maneiras fazer com que fosses minha, com que saísses dessa torre para te livrares do jugo do dragão mas nada resultou. Chamei-te de cá de baixo num apelo clamoroso, chamei o dragão para que eu te podesse ganhar, trepei pela torre com as minhas mãos sangrentas, versgatei a espada na pedra para que ela tombasses, e em último desespero entalei as grevas da minha armadura nas fragas da torre.
E contudo, o que recebia da tua parte era sempre esse teu olhar no horizonte, por entre as brumas, a relembrar o passado num sorriso triste e nostálgico. Tudo em ti era assim, uma marca do passado que te definia em todos os contornos do teu rosto, e esse teu horizonte, que era só teu e de mais a que um dia tu partilharas um sorriso verdadeiramente feliz que eu ainda não vi.
Não vi nenhum dragão nas proximidades da torre, porém podia vê-lo noutro local. Nos teus olhos, que focavam o horizonte, havia uma ânsia tão desejosa de se cumprir num à silêncio saudoso, foi nesses teus olhos feitos de mar, que eu pude vislumbrar aquilo que te mantinha aprisionada à torre, não fora a escassez de cavaleiros que lutassem por ti, mas a presença do dragão. Era tão omnisciente e palpável que sorrias ao pensar nele, ele havia desaparecido para sempre e, mesmo sabendo isso, confortava-te as neblinas que te escondiam o que se ocultava por dentro do manto branco pois poderias imaginar que esse teu captor um dia poderia surgir do nada num salto e irromper a alva escuridão. Tu esperavas sabendo que nunca mais vinha, e, eu assistia, tão desiludido por ser só um cavaleiro, por ser só um homem, e, em vez de asas, fogo e cobiça, ter apenas a espada romba, as grevas quebradas e a vontade vergada.

Com esperança de que um dia um qualquer outro dragão possa rescuar-te da torre em que te fechas, porque os homens, esses não estão fadados a ter alguém tão belo.»

2 comments:

Vânia Vilas Boas said...

Simplesmente lindo....
sem quaisquer palavras...
...

Rui Afonso said...

Será que não quis mesmo ser salva?...

Abraço